Diálogo, negociação, desarmamento: os caminhos da Igreja para alcançar a paz segundo Francisco
*Com Agência Fides
Três cadeiras, que logo se transformaram em duas, colocadas em frente ao batistério da Basílica do Vaticano. Frente a frente, os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky – por um quarto de hora – conversaram intensamente sobre os caminhos a seguir para pôr fim ao conflito que ensangrenta a Ucrânia, à margem do funeral do Papa Francisco. Uma imagem que, à sua maneira, evoca as linhas e os critérios que também inspiraram a contribuição da Santa Sé para as tentativas de resolução de guerras, conflitos e crises internacionais durante o pontificado do Papa Francisco. Fragmentos daquilo que o próprio Pontífice argentino definiu como a "guerra mundial em pedaços".
Os caminhos do diálogo, da negociação e do desarmamento são aqueles que também o último Bispo de Roma encorajou diversas vezes, com a ajuda da diplomacia vaticana, indicando-os como os únicos caminhos viáveis para promover soluções para todos os conflitos em curso.
A começar pela "martirizada Síria", que sempre esteve no coração do Papa argentino. O Pontífice deu voz aos refugiados e aos deslocados em fuga da violência de uma guerra que, como o próprio Papa afirmou, levou ao risco de se transformar em uma "brutal perseguição" contra aqueles que professam outras religiões. Apelos pela Síria, que se tornaram uma constante nas bênçãos Urbi et Orbi da Páscoa, foram pronunciados em vários Angelus e Regina Coeli, bem como no final das Audiências Gerais de quarta-feira. Poucos anos depois, o mesmo aconteceria com a martirizada Ucrânia.
"Quanto sangue foi derramado! E quantos sofrimentos ainda deverão ser infligidos antes que uma solução política para a crise seja encontrada?", perguntou-se o Papa várias vezes, sempre pedindo "coragem" e "decisão" para empreender o caminho das negociações. Ele também o fez ao proclamar o dia 7 de setembro de 2013 como um dia de jejum e oração pela paz na Síria, no Oriente Médio e em todo o mundo, porque, como disse durante o Angelus em que anunciou esta iniciativa, "a humanidade precisa ver gestos de paz e ouvir palavras de esperança e paz!"
Aos gestos seguiram-se outras palavras, escritas também nas cartas enviadas a Chefes de Estado, e depois pela presença física: em Lesbos, na primavera de 2016, dirigindo-se aos refugiados sírios acolhidos no campo de Mòria, ele disse: "Quero dizer-lhes que vocês não estão sozinhos". De volta a Roma, trouxe consigo três famílias sírias.
E não só. Na Terra Santa, durante a Viagem Apostólica de maio de 2014, o Papa parou para rezar diante do muro divisório construído por Israel perto de Belém, a cidade onde Jesus nasceu. Algumas semanas depois, o Pontífice reuniu no Vaticano o então presidente de Israel, Shimon Peres, e Mahmoud Abbas, presidente do Estado da Palestina, para juntos invocarem a paz para o Oriente Médio. Na ocasião, uma oliveira, símbolo da paz, foi plantada nos Jardins do Vaticano, na presença do Patriarca Bartolomeu I e de uma delegação de cristãos, judeus e muçulmanos vindos da Terra Santa.
“Sim ao respeito dos acordos e não às provocações. Para fazer a paz, é preciso coragem”, foram as palavras que o Bispo de Roma pronunciou naquele distante junho de 2014, antes de dirigir uma súplica a Deus:
No ano passado, no décimo aniversário daquele histórico encontro, o Papa Francisco quis reunir todo o Corpo Diplomático credenciado junto à Santa Sé em torno daquela oliveira, agora crescida, para recordar o quanto foi importante o abraço entre os dois presidentes. Ao lado do Pontífice estavam os embaixadores de Israel e da Palestina junto à Santa Sé.
"Em vez de nos iludirmos de que a guerra pode resolver problemas e levar à paz, devemos ser críticos e vigilantes diante duma ideologia, hoje infelizmente dominante, segundo a qual «o conflito, a violência e as fraturas fazem parte do funcionamento normal de uma sociedade». Em causa estão sempre lutas de poder entre diferentes grupos sociais, interesses económicos particulares e atos de equilíbrio político internacional que visam uma paz aparente, evitando os verdadeiros problemas. Em vez disso, numa época marcada por conflitos trágicos, é necessário um renovado compromisso na construção de um mundo pacífico. A todos, crentes e pessoas de boa vontade, gostaria de dizer: não deixemos de sonhar com a paz nem de construir relações pacíficas!", foram as palavras pronunciadas pelo Papa naquele 7 de junho de 2024.
Uma iniciativa semelhante foi repetida na primavera de 2019, quando o Pontífice convidou as autoridades civis e eclesiásticas do Sudão do Sul ao Vaticano para um retiro espiritual de dois dias. Diante delas, o Papa Francisco, quebrando o protocolo, ajoelhou-se e, beijando os sapatos dos líderes sul-sudaneses, disse: "Imploro que o fogo da guerra se apague de uma vez por todas." A paz, recordou o Bispo de Roma, é "o primeiro dom oferecido aos Apóstolos após a sua dolorosa paixão e depois de ter derrotado a morte.". Mas é também "a primeira tarefa que os líderes das nações devem perseguir", "uma condição fundamental para o respeito dos direitos de cada homem, assim como para o desenvolvimento integral de todo o povo.". "Não nos esqueçamos de que a nós, líderes políticos e religiosos, Deus confiou a tarefa de ser guias do seu povo: Ele confiou-nos muito, e exatamente por isso há de exigir de nós muito mais! Pedir-nos-á que prestemos contas do nosso serviço e da nossa administração, do nosso engajamento em benefício da paz e do bem realizado em prol dos membros das nossas comunidades, em particular pelos mais necessitados e marginalizados; por outras palavras, pedir-nos-á que prestemos contas da nossa vida, mas também da vida dos outros”.
“A paz é possível”, é “um grande dom de Deus”, mas também um compromisso dos homens “no diálogo, na negociação e no perdão”. Na esteira das palavras proferidas aos líderes sul-sudaneses, o Papa Francisco disse, durante uma entrevista, algo semelhante em referência à guerra entre Rússia e Ucrânia: “O mais forte é aquele que pensa no povo, que tem a coragem da bandeira branca”, e “quando vês que as coisas não estão indo bem, precisa ter a coragem de negociar”, o que não significa desistir, “negociar nunca é uma rendição”.
Também em Gaza, acrescentou na mesma ocasião, há um conflito feito por “dois, não um. Os irresponsáveis são esses dois que fazem a guerra. Hoje se pode negociar com a ajuda de potências internacionais. A palavra negociar é corajosa. Não tenham vergonha de negociar antes que a situação piore”.
Paralelamente ao caminho do diálogo está o do desarmamento. Do pedido de proibição de armas nucleares à condenação da corrida armamentista, as palavras do Papa Francisco são colocadas em perfeita continuidade com os de seus predecessores, de Bento XV a Bento XVI. Este último também trabalhou para pôr fim ao comércio de armas: “A importação de armas deve cessar definitivamente: porque sem a importação de armas a guerra não poderia continuar. Em vez de importar armas, o que é um pecado grave, devemos importar ideias de paz, criatividade, encontrar soluções para aceitar cada um em sua alteridade; devemos, portanto, tornar visível no mundo o respeito das religiões umas pelas outras, o respeito do homem como criatura de Deus, o amor ao próximo como fundamental para todas as religiões”.
O Papa Francisco retomou esse conceito em 2019, quando, ao receber os participantes do Encontro das Agências de Ajuda para as Igrejas Orientais, disse:
Já em 2014, com a Exortação Evangelii gaudium, o Papa argentino havia escrito: “Existem sistemas econômicos que precisam travar a guerra para sobreviver”. Ele reiterou repetidamente que os investimentos mais rentáveis hoje são em fábricas de armas. Armas que ele repetidamente pediu para silenciar, especialmente nas mensagens Urbi et Orbi de Natal e Páscoa, propondo a criação de um Fundo Mundial contra a Fome, financiado justamente com o dinheiro destinado a armamentos.
Durante a pandemia, rezando o Terço na Basílica de São Pedro, ele propôs a criação de outro fundo, desta vez para pesquisas e estudos: "Maria Santíssima, toca as consciências para que as enormes somas usadas para aumentar e aperfeiçoar os armamentos sejam, em vez disso, usadas para promover estudos adequados para prevenir catástrofes semelhantes no futuro".
Com base nos últimos dados publicados pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri) e referentes ao ano de 2023, em nível global, os gastos militares atingiram o valor recorde de 2,44 trilhões de dólares, com um aumento de 6,8% em relação ao ano anterior.
Os Estados Unidos são o país que mais gastou em armas: 880 bilhões, seguidos pela China (309 bilhões) e Rússia (126 bilhões). Dividindo o orçamento militar pelo número de habitantes, os EUA gastaram em média 2.694 dólares por habitante. Para efeito de comparação, Israel gastou 29 bilhões de dólares em 2023, mas atingiu o maior nível de gasto per capita do mundo: 2.997 dólares por habitante.
As palavras do Papa Francisco sobre o assunto são esclarecedoras:
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