2025.04.30 Papa Francesco e Denys Koliada, giovane ucraino

A amizade de Francisco e um ucraniano: “ninguém jamais diga que não amo a Ucrânia”

Uma história feita de cartas e encontros entre o Papa, pastor de todos, e Denys Koliada, protestante, testemunha das atrocidades da guerra. Um vínculo que nasceu das críticas do jovem ao Pontífice e seguiu através de troca contínua de cartas e 25 encontros em Santa Marta. "Sofria pela Ucrânia, me perguntava sobre as pessoas. Ele me disse: os ucranianos têm o direito e o dever de se defender".

Salvatore Cernuzio - Vatican News

Antes do encontro, houve um confronto. Antes das cerca de 80 cartas de acompanhamento espiritual durante o período da guerra, antes dos 25 encontros na Casa Santa Marta, antes de estabelecer uma relação de filiação e de chegar a um ponto de confiança a ponto de exclamar - diante das críticas recebidas na Ucrânia por algumas de suas expressões - “não têm o direito de dizer que não amo a Ucrânia”, entre o Papa Francisco e Denys Koliada, um ucraniano de 30 anos, houve, de fato, um confronto. É o jovem proveniente da pequena cidade de Kaniv, que compartilha seu testemunho com os canais do Vaticano, nestes dias de tristeza pela morte do Papa, em que, segundo ele, a única coisa que deseja é prestar homenagem àquele que foi um pai e um guia no momento mais sombrio do seu país.

Quando a invasão em larga escala começou na Ucrânia, enviei ao Papa Francisco cartas escritas por crianças, por meio de um pastor argentino, Alejandro, seu velho amigo de Buenos Aires. Palavras de medo, de perda, de orações pela paz... Pouco tempo depois, ouvi algumas das declarações do Papa sobre a guerra. Elas me machucaram. Não porque ele quisesse machucar, mas porque nós, na Ucrânia, vivíamos no epicentro da dor. E, às vezes, até mesmo uma boa palavra, se não for contextualizada, pode cortar como uma faca. Escrevi para ele uma carta honesta, até mesmo dura, que terminava assim: "a Ucrânia tem para o senhor a pergunta de Pedro: Simão de Jonas, me ama?" Eu não esperava uma resposta. Eu não esperava. Quem precisa de outra voz em um país onde todos estão gritando? Mas já no dia seguinte o Papa me respondeu. Simplesmente, sem diplomacia: "Venha. Quero que seja você a me contar pessoalmente. Preciso ouvir isso de você".

Um dos encontros na Casa Santa Marta entre o Papa e o jovem Denys
Um dos encontros na Casa Santa Marta entre o Papa e o jovem Denys

O direito e o dever de se defender

E Denys foi de fato à Santa Marta. Ele, filho de uma família protestante, ex-aluno da Universidade Católica Ucraniana. Foi até lá não sem um medo inicial, mas também com a curiosidade de conhecer o Papa, que sempre lhe pareceu “um pastor que nunca teve medo de ouvir, mesmo aqueles que se aproximavam dele com dor e acusações”.

Foi assim que nossa história começou. Não foi uma audiência, mas um encontro entre uma ferida e um coração em busca de diálogo. Cheguei naquele dia com um pequeno grupo: eu, meu professor Myroslav Marynovych (um ex-prisioneiro político do Gulag), o pastor Alejandro e alguns amigos. Não trouxemos nada conosco, exceto a esperança de sermos ouvidos. E o Papa nos recebeu e dedicou uma hora e meia a nós. Mas o mais significativo não foi o tempo, foi a maneira como ele nos ouviu. Sem se defender. Sem se justificar. Ele ouviu, inclinando-se para a frente, lembrando-se de nomes, fazendo perguntas, pedindo esclarecimentos. Ele nos contou sobre um de seus professores, o Beato Vladyka Chmil, um padre ucraniano que morreu em um campo de concentração porque não desistiu de ser um pastor para todos, até mesmo para seus inimigos. Naquela ocasião, ele disse uma frase simples, mas muito importante para mim: "os ucranianos não têm apenas o direito, mas também o dever de se defender. Porque quem não se defende, está perto do suicídio".

A preocupação pelos soldados, prisioneiros, viúvas e crianças

Com o jovem Denys, renomeado de brincadeira por Francisco como “protestante unificado”, a história continuou após aquele encontro. "Me dá o seu endereço. Vou escrever eu para você", disse o Papa. A partir daí, uma série de cartas, cerca de 80, que o jovem guarda em casa e que atualmente considera um tesouro pessoal.

Eu lhe contava o que estava acontecendo no front, compartilhava as histórias dos soldados, dos prisioneiros, dos capelães, das viúvas, das crianças. E ele se lembrava. Ele se lembrava dos nomes. Ele perguntava sobre eles. Em uma das cartas, ele me escreveu: "como está Gennadij?" (capelão militar ucraniano). E sua esposa como se sente? E aquelas crianças? Estão todas vivas depois do bombardeio?"

Denys entrega alguns presentes ao Papa Francisco
Denys entrega alguns presentes ao Papa Francisco

Carregar a cruz

Além das cartas entre Francisco e esse “querido jovem”, como ele o chamava, houve 25 encontros no Vaticano, nunca tornados públicos, que aconteceram apenas para ouvir um ao outro: a história de Denys e as histórias de um povo em guerra que ele contava, as palavras do pai pastor de todos. “Uma presença verdadeira, silenciosa e obstinada”.

Quando eu estava cheio de raiva - a raiva daqueles que veem crianças morrendo todos os dias, daqueles que veem casas destruídas, esperança despedaçada - eu escrevia para ele. E nem sempre com moderação, às vezes com dureza e desespero. Ele sempre respondia: “não carregue sua cruz sozinho. Cristo também precisou de Simão”, ele me repetia várias vezes. Como se ele soubesse que eu cairia novamente, que eu iria querer deixar esse campo de dor. E naquelas palavras encontrei forças para ficar. Lembro-me bem de uma de nossas conversas. Percebi que ele estava muito cansado. Então eu lhe disse: “Querido pai, não carregue sua cruz sozinho. A cruz também carrega o fardo da solidariedade com o rebanho”.

“Sou um pecador, mas vocês não têm o direito de dizer que eu não amo a Ucrânia”

Há outra frase que Denys Koliada nunca esquecerá. Foi em um momento em que muitos na Ucrânia criticaram fortemente o Papa Francisco por algumas de suas declarações. Eu o encontrei e lhe disse: “muitos na Ucrânia estão magoados. Muitos dizem que o senhor não nos ama”. Com simplicidade, ele respondeu:

“Vocês podem dizer que sou um pecador. E vocês têm razão. Mas não têm o direito de dizer que eu não amo a Ucrânia.”

Eu não poderia permanecer em silêncio diante do fato de que a guerra é maligna. E que as palavras sobre paz, se não forem bem explicadas, podem soar como um insulto àqueles que estão morrendo. Fui àquele encontro como um homem que estava sofrendo. Eu lhe disse: 'Sua Santidade, até mesmo uma boa palavra pode se tornar uma ferida se não for explicada àqueles que gritam de dor. Mesmo a melhor das intenções precisa de clareza quando se fala de guerra”. Ele me olhou nos olhos e disse: "Obrigado por me dizer isso. Talvez eu estivesse errado. Se necessário, venha novamente. Vamos conversar sobre isso novamente. Quero entender”.

A dor da crueldade com as pessoas

Às vezes, foi o próprio Papa que tomou a iniciativa e entrou em contato com o jovem. Ele fez isso quando viu imagens da tortura sofrida pelos soldados ucranianos. “É horrível. Essa é a Via-Sacra de vocês... Mas vocês não são apenas testemunhas do sacrifício. Vocês são testemunhas da Ressurreição”, escreveu ele certa vez. “Ele sabia bem o que estava acontecendo. E sofreu profundamente”, diz Denys.

A crueldade nunca o tornou duro. Pelo contrário, ele permaneceu manso, capaz de ouvir, lembrar e rezar por pessoas que talvez nunca tivesse conhecido. E acredito que essa foi sua verdadeira resposta à guerra: não com justificativas, não com teorias, mas com uma compaixão que não desiste. Com um amor que não tem medo de ficar ao lado dos feridos. Vi um homem que realmente tentou estar próximo. E também vi com que frequência, cruel e deliberadamente, suas palavras foram tiradas do contexto. Como a imagem de um Pontífice indiferente estava sendo construída, sem ouvir o que ele realmente estava dizendo.

O jovem ucraniano ao encontrar o Papa na Santa Marta
O jovem ucraniano ao encontrar o Papa na Santa Marta

A boas obras no silêncio

O Papa também deu apoio material a viúvas, órfãos, ex-presidiários e feridos. “Eu dizia a ele: 'talvez devêssemos contar essas coisas, para que as pessoas saibam'. E ele sorria e respondia: 'as boas obras precisam do silêncio'”.

Ele não ficava apenas no nível dos apelos, declarações, ele se preocupava com pessoas concretas. Os rostos. As histórias. As mulheres que haviam perdido seus maridos. As crianças sem pai. Aqueles que haviam retornado da prisão. Muitas vezes eu via a emoção quando lhe contava histórias de guerra. Mas também a esperança em seus olhos quando eu falava da coragem dos voluntários, dos médicos, dos soldados que, apesar de tudo, não haviam perdido a humanidade.

Alguém que sabia ouvir

Essa é a imagem que permanece com Denys agora que o Papa Francisco se foi: “eu me sinto como um órfão”, ele confessa, “como alguém que perdeu um amigo que não tinha medo das minhas lágrimas, da minha raiva, das minhas perguntas. Estou me lembrando com frequência das suas cartas, das recomendações: 'rezo por você. Reza você também por mim'. E, de vez em quando, pego instintivamente o telefone para escrever para ele, como sempre fazia quando a dor era grande. Mas desta vez não haverá resposta".

Sinto falta dele. Muito. No entanto, junto com essa dor, sinto uma profunda gratidão. Gratidão por ter tido alguém que sabia ouvir, que ficava ao meu lado mesmo quando não tinha respostas para me dar.

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30 abril 2025, 11:55