Dom Marini recorda palavras do Papa: com Nossa Senhora, não se fazem cálculos
Vatican News
“Com Nossa Senhora não se fazem cálculos...”. Foi assim que dom Guido Marini, hoje bispo de Tortona e, na época, mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, ouviu como resposta quando, um tanto hesitante, propôs ao Papa Francisco um terço de ouro para oferecer à imagem de Nossa Senhora de Fátima que passava pela Praça de São Pedro. Marini contou o fato durante a missa em sufrágio do Pontífice celebrada em 23 de abril na catedral de Tortona, cidade italiana da região do Piemonte. “Sabemos o quanto ele era devoto de Nossa Senhora”, disse o bispo, "o seu desejo, também expresso no seu Testamento, foi aquele de ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, na capela da Salus Populi Romani, onde ele foi tantas vezes durante o seu Pontificado, antes e depois de cada viagem e em numerosas outras circunstâncias, mas quero recordar dois episódios em particular a esse respeito. Estávamos no início do Pontificado... e na Praça de São Pedro tinham trazido a Imagem de Nossa Senhora de Fátima e o Papa deveria fazer um gesto de veneração e pensou-se em fazer com que o Papa realizasse esse gesto, de colocar um terço nas mãos de Nossa Senhora".
“Então fui em busca do terço”, continuou dom Marini, "mas não encontrei nada significativo, exceto um terço muito bonito, muito bonito, dourado, e devo dizer que fiquei um pouco envergonhado, também porque eu já sabia que o Papa gostava de coisas simples, pobres, mas havia pouco tempo, não tinha encontrado nada mais que fosse um pouco significativo. Fui até o Papa, e disse: 'Santo Padre, encontrei um terço...'. 'Muito bem, muito bem, parabéns'. E acrescentei: 'é um terço de ouro'. Eu estava pronto para ouvi-lo dizer não, não, não, e em vez disso disse: ‘Tudo bem, tudo bem, porque com Nossa Senhora não se fazem cálculos, um terço de ouro está ótimo’".
Sempre sobre a devoção mariana de Francisco, o bispo de Tortona acrescentou: "durante aquela celebração, carregaram Nossa Senhora do obelisco até o palco em seus ombros, depois tiveram que subir os degraus e chegar até o adro. Em um determinado momento, o Papa se vira para mim enquanto Nossa Senhora está avançando antes de subir os degraus e diz: 'vem, vem, vem, porque se vai ao encontro de Nossa Senhora, não se deixa ela esperando'. Essa é a profunda, mas também simples, devoção popular do Santo Padre a Nossa Senhora".
Em seguida, Marini citou o tema principal do pontificado, a misericórdia: "lembro-me, na Basílica de São Pedro, da primeira liturgia penitencial que o Papa viveu durante a Quaresma. Houve um momento em que ele e os outros sacerdotes se dispuseram nos confessionários para ouvir as confissões de todos os presentes, e eu fui chamado para acompanhá-lo ao seu confessionário. Quando estávamos perto do seu confessionário, ele mudou de direção - foi inesperado - e foi para um outro confessionário que estava próximo e se ajoelhou em frente a um confessor que estava sem palavras, e fez a sua confissão ali, de tal modo que todos vissem. Depois, na sacristia, ele me disse: 'desculpe-me por não tê-lo ouvido, fui por outro caminho, mas eu queria para que esse gesto do Papa ajudasse todos a entender a beleza da confissão, a entender a beleza da misericórdia de Deus, a entender como é realmente uma alegria aproximar-se do Senhor e pedir perdão”.
Com relação àquela alegria do Evangelho que deu nome à primeira exortação apostólica do Papa argentino, Marini contou: "ele disse uma vez: 'Sabe, eu realmente gosto de estar entre as pessoas com um sorriso nos lábios, talvez às vezes fazendo algum gesto um pouco particular, porque quero comunicar a alegria do Senhor, quero que todos possam realmente tocar com as mãos, que pertencer a Ele para viver o Evangelho é a verdadeira alegria da vida. Assim, a alegria do Evangelho, a alegria de Jesus'".
O bispo então lembrou a palavra “Todos” repetida três vezes na última JMJ em Lisboa: “todos, todos, todos. O que queria dizer? Que a Igreja não pode deixar de ter em seu coração o desejo de chegar a todos, de ouvir todos, de dialogar com todos, para levar a todos a beleza do Evangelho que salva, e do Senhor que é o Salvador".
Marini prosseguiu depois mencionando a sinodalidade: "nós estivemos envolvidos nesse caminho sinodal, um caminho que o Papa queria com insistência, isso ele me disse várias vezes pessoalmente, não para que fossem elaborados documentos. Ele dizia: ‘não estou interessado que outros documentos sejam redigidos de novo, estou interessado acima de tudo que, desta vez, este caminho ajude todos a viver em um modo mais significativo, mais verdadeiro, mais profundo, a comunhão, a participação, a corresponsabilidade, a ser verdadeiramente um só corpo também porque, como o Papa bem sabia, a missão ser realiza somente onde há comunhão e é somente a caridade dentro da Igreja, a comunhão dentro da Igreja’.
Com relação ao amor do Papa pelos pobres, o ex-mestre das Celebrações Pontifícias disse: "ele tinha os pobres no coração, tinha todas as necessidades da humanidade no coração e isso não era uma pose. Um dia, na sacristia, depois de um encontro com algumas pessoas pobres, eu o vi chorando e estava realmente chorando, porque sentia a pobreza da humanidade em todas as suas formas como uma dor sua, uma dor pessoal, uma dor que tocava o seu coração. Ele realmente chorava no segredo de uma sacristia, recordando-se de um encontro que teve com um desses pobres e, quando fomos a uma prisão para menores alguns dias depois da sua eleição como Pontífice, lembro-me de que, antes da missa, ele disse: 'sabe que toda vez que venho a um desses lugares me pergunto por que eles e não eu? Poderia ser eu'. E me disse: ‘pensa nisso’".
Novamente, dom Marini citou o compromisso com a paz, como um profeta muitas vezes não ouvido, que “nunca se cansou de proclamá-la, de anunciá-la, de pedi-la como um dom para esta nossa pobre humanidade em guerra”. Um pastor que "amou apaixonadamente o mundo e uma coisa que sempre me marcou é que se interessava por tudo, por tudo, porque tudo o que se relacionava com o homem o interessava, todas as expressões da humanidade o interessavam, tudo o que tinha a ver com o homem estava no seu coração e levava isso a sério. Ele queria ser... um pouco o pároco do mundo, mas pensem nos telefonemas que fazia para pessoas comuns ou aos cartões assinados que enviava para todo o mundo. Tinha o mundo no coração e talvez esse aspecto do seu pontificado tenha se cristalizado de uma vez por todas na história naquele 27 de março, o ano da Covid, quando o Papa apareceu sozinho na Praça São Pedro. Os olhos do mundo estavam voltados para aquela praça, os olhos do mundo estavam voltados para o Papa, e o Papa, naquele momento, levava consigo o mundo inteiro diante do Senhor. Essa talvez será a imagem mais bonita de um Papa que realmente levou ao mundo o seu próprio coração, sempre".
Por fim, o bispo de Tortona recordou a “coragem e a liberdade” de Francisco: "ele quis contribuir para a reforma da Igreja. A Igreja, em todos os períodos da história, precisa ser reformada em sua dimensão humana. Por quê? Porque o tempo produz incrustações, mecanismos que não funcionam mais como deveriam. Com coragem e liberdade, tentou dar a sua própria contribuição nessa direção. E, certamente, isso nem sempre agradou. No dia de sua primeira celebração de posse como Papa, podem imaginar o júbilo que houve na Praça São Pedro. Ao voltar para a sacristia, imaginem o que ele disse: 'sabe, hoje esse júbilo das pessoas na Praça São Pedro me fez pensar na entrada de Jesus em Jerusalém. E imediatamente depois pensei e disse a mim mesmo: lembre-se disso quando vierem os dias da Paixão e da Cruz’. E assim foi. Porque é assim que acontece com todos os Papas".
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